3.Dois irmãos
António Carlos Lepierre Tinoco
(1913—1966)
Muito complicada esta tarefa de escrever sobre o António Lepierre Tinoco, sabendo que é meu avô e não sabendo nada, quase nada, dele. São ideias contraditórias, pouco naturais. Não tenho por onde começar, não sei onde acabar. Vou antes listar, tentando manter uma ordem cronológica, facetas, dados, interrogações, episódios, efabulações...
- Ao que consta [e fica a dúvida, pois já vi esta informação atribuída tanto a António como a Carlos, seu irmão], fez o curso do Liceu no conhecido colégio jesuíta em La Guardia, na Galiza, mesmo em frente a Caminha, do outro lado do rio Minho. Tratava-se de um colégio de elite onde inúmeras crianças portuguesas privilegiadas iniciavam a sua vida estudantil, como o artista plástico e poeta (e mais tarde grande amigo de ALT) António Pedro, ou o cineasta portuense Manoel de Oliveira.
- «António Lepierre Tinoco ainda era "caloiro" da Faculdade de Direito e já lia George Sorel.» Quem o afirma é Francisco de Paula Dutra Faria numa entrevista que concede ao jornal A Rua (n.º 84, 19-01-1978).
- No ano seguinte é a vez de Barradas de Oliveira, num artigo sobre António Pedro, que no mesmo A Rua (n.º 185, 27-12-1979) afirma «Na criação deste movimento há dois nomes a fixar, pela sua maior vinculação à iniciativa e ao processo organizativo: o de António Pedro e o de um estudante de Direito, António Tinoco, notável pela intuição política e pelas excepcionais qualidades de acção».
- Todo o período em que se dedicou à militância no Nacional-Sindicalismo fica melhor entregue e descrito no quarto capítulo: "Camisa-Azul".
- O blog olharnogueiradocravo diz-nos que «(...) não dispunha Tinoco dos largos rendimentos dos antepassados beirões. Por isso, o que os rendimentos não davam já para sustento da família riquíssima de outrora havia alienado, dia após dia, as vastas propriedades em Santa Comba de Seia, Oliveira do Conde, Vila Nova de Tazém e Bobadela, para ficar restrita à casa de Nogueira do Cravo. E o moço estudante ou residente em Lisboa ao invés da bolsa recheada ou dos livros de cheques, teve sempre necessidade de trabalho remunerado, como redactor do “Diário de Notícias”, como secretário geral da Caixa de Previdência do Pessoal da Indústria de Lanifícios, como director do “Diário Popular”, como director de uma empresa gráfica, como administrador de uma empresa moçambicana…».
- Quanto à passagem pelo jornal Diário de Notícias não consegui apurar as datas de entrada e saída.
- Consta que a sua secretária no Diário de Notícias se chamava Elvira das Mercês Aguiar Otêda. Pois bem, a ser verdade, é aqui que se estabelece o contacto. Essa senhora, a sua secretária, era a minha bisavó, mãe da mãe de minha mãe. A mãe de minha mãe, Maria Delmira Otêda e Oliveira Soares, também nunca a conheci. Nem em fotografias. A partir daqui tudo é especulação.
- Onde se conheceram, quando, o que os ligou, amorosamente ou não? Terá sido em casa dela que se encontraram? A minha mãe menciona que a casa de sua mãe era um ponto de convívio para muita gente lisboeta. As festas parece que se sucediam. Ou terá sido mais tarde, já com a minha mãe nascida? E que idades tinham então? A única coisa certa é que, tendo ALT nascido em 1913, tinha 29 anos de idade quando do nascimento da minha mãe, em 1942. Ela, Maria Delmira, não faço ideia.
- Mas se a passagem pelo Diário de Notícias é, como vimos acima, quem lhe permite o contacto com Maria Delmira, é por alturas da criação do projecto Diário Popular que esse contacto se concretiza efectivamente, num novo patamar. Pois a 14 de Setembro de 1942 nasce a minha mãe, oito dias antes do primeiro número do Diário Popular. Uma coisa é, portanto, certa. A relação entre ALT e Maria Delmira coincidiu com os preparativos da projecto Diário Popular.
- A minha mãe fala da existência de uma carta endereçada por ALT a Maria Delmira, na qual este, tendo já previamente afirmado a sua intenção em não perfilhar a sua filha, se oferece, contudo, para tomar conta dela. Significando isso, ao que parece, levá-la para Nogueira do Cravo, onde no meio familiar Lepierre Tinoco, lhe seria providenciado sustento, estudos, uma vida. (Existirá uma cópia dessa carta?) A resposta à missiva, essa, foi negativa. A filha ficaria com a mãe. E ficou.
- Director do Diário Popular, de Setembro de 1942 a Abril de 1946 (?).
- Em relação a esta fase no Diário Popular, o mesmo olharnogueiradocravo de há pouco diz-nos que «no “Diário Popular”, para a fundação do qual ele conseguira a associação de uma dúzia de industrias de lanifícios, que subscreveram uma cuja carteira de 300 contos de acções, não teve um centavo de capital seu; e, quando um dos accionistas quis presenteá-lo com um lote de acções, correspondente à garantia do seu lugar como administrador, desinteressadamente – recusou-o. O jornalismo atrai-o tanto como modo de vida como apoio ao seu destino político. Foi redactor da “Revolução” e do “Diário de Noticias”, chefe de redacção do semanário “Fradique” e culminou esse passo da sua vida como fundador e director do “Diário Popular”, cuja concepção e estrutura se devem exclusivamente à sua extraordinária intuição e capacidade de realizar.».
- Em 1964 ALT envia carta ao eng.º Cunha Leal (certamente o primeiro-ministro da I República, fundador da União Liberal Republicana, feroz opositor de Salazar, jornalista e companheiro de luta de ALT nos tempos do Nacional-Sindicalismo) onde faz questão de esclarecer que a sua nomeação para Delegado do Governo na Sociedade Algodoeira do Fomento Colonial se deve a relações pessoais, e não a compromissos de ordem política. De algum modo essa carta chegou nas mãos de Silva Pais (o director da PIDE) que remete então cópia da mesma a Salazar, juntando-lhe um cartão da sua lavra onde escreve: «Ao L. Tinoco sabe-lhe bem comer, mas morde a mão que lho dá». Impossível saber quem tem razão...
- Em vários locais vi afirmado que, na fase última de sua vida, a Igreja Católica voltou a atraí-lo. Tal reencontro com a Igreja coincidiu precisamente com os seus últimos dias, que, consta, foram duros e agoniantes. Nas palavras de Barradas de Oliveira (A Rua, n.º 185, 27-12-1979), «Regressou ao fogo do Catolicismo em que se educara e que foi o grande lenitivo na terrível doença que o levou. Morreu como só morrem os santos».
- Esta lista é provavelmente a secção deste website que mais actualizações precisa, e terá. Muito pouca coisa aqui deve ser considerada um dado adquirido. É onde a sua faceta "manta de retalhos" mais se faz sentir. Trata-se, no fundo, da parte da história mais difícil de narrar. Work in progress, portanto.
Carlos António Lepierre Tinoco
(1915—1941)
Era o irmão caçula. Mais não sei. Se era o preferido da mãe ou do pai. Se se dava bem com o seu irmão. Se aprovava e alinhava as suas ideias com as do irmão. Apenas sei que morreu tragicamente cedo demais. Aos 26 anos de idade, acabado de se licenciar em Engenharia.
E que era um homem dado às letras, à poesia. Que nutria essa lado da vida com especial carinho. E que no ano seguinte à sua morte lhe reuniram postumamente os textos (ao que parece essa tarefa ficou a cargo de dois grandes amigos dos dois irmãos, António Pedro e Barradas de Oliveira), cronologicamente ordenados, num livro que a Livraria Bertrand deu à estampa, cujo título acabou por ser Correspondência Frustrada.
Nesse livro temos direito a um retrato seu, feito em 1938 por António Duarte. Será este António Duarte o escultor das Caldas da Rainha, pertencente à 2.ª geração dos modernistas portugueses? Muito provavelmente. Uma coisa é certa, olho para esse retrato e tenho um vislumbre do seu irmão, nos olhos, sim, acho que nos olhos.
Outra coisa interessante da edição que possuo é que tem uma dedicatória na primeira página. Nela, ATL endereça a Belo Redondo (certamente o mesmo Belo Redondo que presidiu ao Sindicato de Profissionais da Imprensa de Lisboa) a sua admiração. É a coisa mais próxima, mais íntima, do meu avô que possuo. Uma assinatura.
Não saberia escolher um poema de Carlos Lepierre Tinoco para aqui transcrever; opto então por dois pensamentos que marcam a abertura do livro (é certo que podem não ser da sua autoria, podem ter sido ali colocados por terceiros, mas ainda assim me parecem pertinentes e condizentes com o resto da obra).