4."Camisa-Azul"

Presente desde o momento fundador e membro activo do movimento Nacional-Sindicalista, António Lepierre Tinoco foi personagem incontornável daquela que foi «a expressão mais significativa e derradeira de um movimento fascista em Portugal». A citação que encerra a frase anterior é da autoria de António Costa Pinto, autor dessa obra essencial sobre o movimento Nacional-Sindicalista, que tem como título Os Camisas Azuis. Ideologia, Elites e Movimentos Fascistas em Portugal (1914-1945) [Editorial Presença, 1994]. Em seguida transcrevo todas as passagens que nesse livro mencionam António Lepierre Tinoco. Servem perfeitamente para termos uma ideia mais ou menos consistente sobre o seu papel no movimento. Tudo o que estiver em vermelho é da minha autoria.


p. 85

Em Lisboa [enquanto seu irmão estudava Engenharia em Coimbra, ALT cursou Direito em Lisboa], para além dos militares, destacava-se um grupo de estudantes que constituíam, no final dos anos 20, a Junta Escolar de Lisboa do IL [Integralismo Lusitano], caso de António Tinoco e Dutra Faria.


p. 93

O núcleo fundador do Nacional-Sindicalismo partiu de um grupo de estudantes universitários que constituíam a Junta Escolar de Lisboa do IL, no final dos anos 20. O seu porta-voz foi a revista Política. A António do Amaral Pyrrait, Dutra Faria, Franz D'Almeida Langhans juntaram-se, poucos meses depois, António Pedro, Barradas de Oliveira, Pereira de Matos, António Tinoco e outros, todos vindos do IL, do legitimismo, ou da Action Française. No início de 1931, António Pedro e Dutra Faria fundaram um jornal com pretensões a órgão do sector estudantil da Liga 28 de Maio, com a qual todos colaboravam, o Acção Nacional, antecessor imediato do Revolução.


p. 97

Os fundadores do Revolução tiveram a consciência de que lhes seria quase impossível criar um movimento fascista a partir do IL sem Rolão Preto, que encaravam como seu chefe natural. António Tinoco, falando, em 1931, em nome do sector juvenil, escrevia a Preto a propósito da vida interna do IL: «Nós hoje, em Lisboa, Coimbra e Porto, etc., só temos confiança em si para que a nossa actuação seja uma coisa séria (...) O Sr. Dr. Se quiser – e isso é um dever para si – pode ser tudo entre nós, em que falta o chefe. A mocidade nacionalista só marcha consigo e consigo irá para tudo.»*

NOTA: * cf. carta de António Tinoco a Rolão Preto, 8-7-1931, ARP.


p. 119

O Revolução criou desde o início uma «Página do Operário» que, após a fundação do movimento, passou a suplemento destacável, distribuído gratuitamente, A Revolução dos Trabalhadores, dirigido por António Tinoco, o mais «socialista nacional» dos seus fundadores*. Nele se concentravam as notícias sobre o mundo do trabalho, os comunicados dos secretariados locais dirigidos aos trabalhadores e se seguiam, sobre a forma de denúncias políticas, ideológicas e, por vezes, de tipo policial, as actividades dos partidos de esquerda com influência no movimento sindical, particularmente os comunistas e os anarco-sindicalistas.

NOTA: * N.º 1, 4-2-1933. Revolução dos Trabalhadores seria «devastado» periodicamente pela censura da Ditadura. Alguns números foram proibidos na totalidade.


p. 120

No campo programático, existiam algumas tendências divergentes no interior do N/S [Nacional-Sindicalismo]. António Tinoco, por exemplo, encontrava-se mais perto do Nacional Socialismo. Os seus artigos e livros de propaganda revelavam um menor respeito pela propriedade privada e eram mais «socializantes» do que os de Preto. Esta tónica «nacional socialista», simplificada para consumo operário nos comunicados de propaganda, conduzia a um «anticapitalismo» que deveria parecer excessivo a alguma notabilidade ultramontana da província, pois já pouco tinha a ver com o velho anti-industrialismo ruralizante.


p. 168

Sem consagração estatutária, o núcleo fundador do Revolução constituía na prática o Secretariado Distrital de Lisboa. Unido por fortes laços de amizade e por uma intensa sociabilidade, constituindo o grosso da redacção do diário do movimento, o «soviete de Lisboa» (assim se auto-intitulavam) dominava grande parte da organização.
Constituído pelos fundadores do movimento, assegurando a vida do jornal e da sede nacional, estes foram o núcleo mais radical, mais anti-Salazarista e mais autoconvencido da sua condição de representantes em Portugal da «geração fascista» europeia. Foram eles que marcaram o perfil do N/S e foi neles que Rolão se apoiou internamente. Estudantes ou «desempregados», estes possuíam uma disponibilidade e uma dedicação à organização que fazia deles uma espécie de «funcionários dirigentes» do movimento. (... p. 169) Rolão Preto, que tinha relações de camaradagem estreitas com o grupo de Lisboa, era por este acusado de hesitação, e retirava-se várias vezes para a sua casa da Beira, deixando o partido nas mãos do «soviete», ao mesmo tempo que tentava colocar-se «acima» das diversas sensibilidades*.

NOTA: * No auge da crise provocada pela cisão em finais de 1933, o «soviete» de Lisboa radicalizava contra os cisionistas pró-Salazar e vários dirigentes destes escreviam a Preto, que estava retido na sua quinta, doente, criticando o seu carácter conciliador. António Tinoco não hesitava em apelar a que este «abandonasse esse anarquismo, essa desordem com que resolve e faz tudo» e o secretário geral adjunto, Pereira de Matos, acusava também o «camarada Chefe» de andar a fazer «bastantes asneiras que vêm comprometer o entusiasmo necessário neste momento.». Cf. Cartas de António Tinoco e Pereira de Matos a Rolão Preto, 2-1-1934 e 30-12-1933, ARP.


p. 172

Em 1933, o jornal cresceu significativamente e os seus fundos vieram da rede de simpatizantes que, apesar de tudo, não era pequena, e possuía muitos nomes sonantes da aristocracia. No entanto, quando o jornal encerrou no Verão de 1933, com sucessivos golpes da censura, uma das razões que levou a direcção a transferir para outro título o órgão central era a sua dívida*.

NOTA: * Mas, provando alguma disponibilização dos próprios dirigentes, estas eram na sua maioria dívidas internas. Em Janeiro de 1934, tendo em vista um eventual reinício da publicação, as dívidas do jornal dividiam-se entre 3.000$ a terceiros, 18.000$ a António Pedro e o «resto», que não deveria ser pouco, a Alberto de Monsaraz. Cf. Carta de António Tinoco a Rolão Preto, 19-1-1934, ARP.


p. 180

Em 1947, um ex-dirigente do N/S diria que entre os fundadores do movimento «vinham uns da direita e outros da esquerda – seguiram uns pela esquerda e outros pela direita»*.

NOTA: * Carta ao director de António Tinoco, Vida Mundial, 23-8-1947, p. 3.


p. 242

O regulamento de participação no Congresso [I Congresso Nacional-Sindicalista, 12 de Novembro de 1933] era difuso. Nele estavam, por inerência, o secretário-geral e os das 3 zonas, os membros do GC [Grande Conselho; «consituído por figuras de prestígio nacional, o que, ainda que desempenhassem um reduzido papel na vida interna do aprtido, lhe conferia legitimidade política e ideológica» (p. 240); um membro deste GC, José Cabral, provocaria a cisão no movimento e consequente aproximação dos cisionistas a Salazar] e os directores da imprensa N/S [grupo a que ALT pertencia]. (... p. 243) Monsaraz abriu os trabalhos com um relatório sobre o primeiro ano de vida do N/S, onde descrevia o progressivo distanciamento perante Salazar e a repressão à sua actividade. Contemporâneo do chefe do Governo em Coimbra, ainda que mais velho que este, o secretário-geral acusou-o de ser um conservador, inimigo do N/S e dos seus princípios, relatando mesmo uma conversa em que este havia acusado a propaganda N/S de andar «paredes meias com os comunistas».
Iniciado o debate, José Cabral liderou o ataque a Preto com o apoio moderado de Lumbrales, Eusébio Tamagnini, José Carlos Moreira e de outros membros do GC. Sendo derrotados estes, ainda que minoritários, fracturaram o núcleo fundador do movimento. Amaral Pyrrait, Abílio Pinto de Lemos e o velho amigo de António Pedro, Castro Fernandes, ficaram com o «grupo dos lentes». Com a chefia ficaram, não só o «soviete de Lisboa» (António Pedro, Dutra Faria, Barradas de Oliveira, António Tinoco, Campos e Sousa, Pereira de Matos, etc.), como também a larga maioria dos delegados distritais e concelhios.


p. 258

Quando o Governo promoveu o aparecimento do Revolução Nacional, que atacava violentamente Rolão Preto, os secretariados reagiram e o tom anti-salazarista da correspondência interna abriu-se publicamente nos sucessivos comunicados que eram distribuídos na rua. Denunciava-se o «pequeno grupo de políticos burgueses que resolveu actuar neste momento, protegido e auxiliado financeiramente por algumas entidades oficiais» e reforçava-se a linguagem «revolucionária» e «obreirista» do N/S. O seu discurso aproximou-se então de um «trabalhismo» nacionalista cada vez mais explícito, sobretudo pelo «soviete» de Lisboa onde pontuava António Tinoco*. Num panfleto clandestino que não vinha assinado por nenhum organismo, o N/S era definido como uma força destinada a «revolucionar a actual sociedade, arrancando da miséria, em que hoje declaradamente se aviltam as classes trabalhadoras, oprimidas pelo capitalismo, e elevando os traba-lhadores à merecida dignidade de homens livres»**. Como «todas as organizações fascistas», o N/S possui «um chefe, Rolão Preto, (...) extraordinária figura de galvanizador de energias, de condutor de multidões (...) guia de generosa mocidade portuguesa nesta dura escalada, à conquista de uma sociedade nova, onde haja pão e justiça para todos»***.

NOTAS: * Cf. Comunicado do Secretariado Distrital de Lisboa, Março de 1934, ARP; ** Cf. Comunicado clandestino assinado «Fernão Vasques», 13-3-1933, ARP; *** Idem.


p. 268

O objectivo dos dirigentes que pretenderam reorganizar o N/S após a expulsão de Preto [para Espanha] era a resistência anti-salazarista [recorde-se que em 29 de Julho de 1934, Salazar anunciara formalmente (em nota oficiosa) a dissolução e ilegalização do N/S] em moldes clandestinos, mantendo tanto quanto possível as bases legais de propaganda e organização, nomeadamente através da imprensa e das suas sedes. Em finais de 1934, Monsaraz escrevia de Espanha a António Pedro e relatava que o movimento estava a «reformar-se em novas bases, mais sólidas e apropriadas para uma resistência que tem que ser longa, mas tem que durar até que a onda passe».
O esqueleto organizativo com que o N/S pretendeu resistir ao Salazarismo estava já no seu fundamental criado pouco antes do exílio dos dois (p. 270) chefes. Manteve-se o Comissariado de Organização (COMORG) (...) mas a direcção política clandestina seria assegurada pela Junta de Acção Nacional Sindicalista (JANS).
Paralelamente ao órgão central, novos jornais foram criados, estreitamente associados ao movimento. (...) Um ano mais tarde [em 1935] o sector estudantil do N/S tentou reeditar o Revolução, agora com o nome de Revelação, mas, após uma suspensão ordenada pela censura e uma busca policial, este desapareceria rapidamente. (...)
A JANS ficou constituída por um reduzido número do núcleo fundador: Pereira de Matos, António Tinoco, José Campos e Sousa, associados a alguns «resistentes» do «soviete» de Lisboa, que já eram de facto os impulsionadores de uma linha de clara confrontação com o «Estado Novo».


p. 281

[A 10 de Setembro de 1935 os nacionais-sindicalistas, aliados com outros sectores da oposição, tentaram derrubar Salazar; o golpe falhou...] A polícia vigiava atentamente os militares N/S e informava que estes já estavam comprometidos na «intentona revolucionária que esteve para eclodir em Outubro de 1934», sendo os seus passos estreitamente controlados. Presa a maioria dos conspiradores no quartel da Penha de França, Mendes Norton não desencadeou a tomada do navio, sendo aprisionado por outro oficial. Avisado, Rolão Preto refugiou-se nos arredores de Leiria, fugindo depois para Espanha. Alçada Padez foi preso de imediato e António Tinoco, outro activo dirigente da JANS, seria apanhado, clandestino, no Norte, dois meses depois*. Ambos seriam deportados com alguns dos restantes conspiradores, para os Açores, onde ficaram presos**. A polícia prendeu cerca de 40 implicados, entre os quais cerca de 8 militares que foram enviados a tribunal.

NOTAS: * Tinoco seria preso com Sebastião Caires Fernandes, outro conspirador que participaria na tentativa de 1938. Cf. Cadastro n.º 5760, Arqu. PIDE/DGS, ANTT; ** Ambos regressarão da fortaleza de São João Baptista, na sequência de uma amnistia, em Junho de 1936.


p. 287

[Em Abril de 1938 é desencadeada uma uma vaga de prisões preventivas, sustentada na suspeita de novo golpe ligado ao segundo exílio de Paiva Couceiro] A polícia prendeu os «habituais suspeitos» civis do sector, entre os quais cerca de uma dezena de N/S, a maioria dos quais seriam libertados, após terem declarado com abundantes elementos de prova (entre os quais circulares do próprio Preto) [Rolão Preto proibira expressamente o seu grupo de participar no tal golpe] a sua não participação*.
A conspiração de 1938 foi provavelmente o último resquício de utilização do «espírito de 28 de Maio» por parte de civis e militares colocados à direita de Salazar, de integralistas e N/S desiludidos (...)

NOTA: * As prisões atingiram fundamentalmente o núcleo N/S do Porto, sendo presos dirigentes distritais como Rangel Pamplona e Conceição Tabuada. António Tinoco e Alçada Padez foram também contactados para colaborar mas, tal como os anteriormente citados, demarcaram-se do golpe. Cf. Proc. 203/38, Arqu. PIDE/DGS, ANTT.


p. 300

Alguns ex-fascistas aderiram a partidos de esquerda no pós-guerra. António Tinoco, já director de um jornal não afecto ao regime [será ao Diário Popular, do qual ALT foi fundador (embora ainda em 1942, logo, não no pós-guerra...) e primeiro director, que António Costa Pinto se refere?], por exemplo, participou nas tentativas de criação de um partido socialista com António Sérgio. (...) Quer [António] Pedro quer Tinoco participariam, como aliás Rolão Preto, na campanha eleitoral do primeiro candidato de oposição, o General Norton de Matos, em 1949. Em 1951, Rolão Preto, Mário Pessoa e Alçada Padez aliaram-se a republicanos moderados, promovendo a candidatura à presidência de Quintão Meireles, constituída em grande parte por dissidentes do regime. Preto seria uma figura constante das manifestações eleitorais da oposição, assumindo particular destaque a candidatura à presidência de outro dissidente do «Estado Novo», a do General Humberto Delgado, em 1958.